12 de janeiro de 2012

A verdadeira atitude do católico perante a morte?

Sem atitude verdadeiramente católica perante a morte, os homens não são capazes de ter uma atitude reta e equilibrada perante a vida.

“Eis que vou dizer-vos um mistério: todos ressuscitaremos, mas nem todos seremos mudados. Num momento, num abrir e fechar de olhos, ao som da última trombeta, porque a trombeta soará, e os mortos ressuscitarão incorruptíveis: e nós seremos mudados. Porquanto é necessário que este corpo corruptível se revista da incorruptibilidade, e que este corpo mortal se revista da imortalidade. E, quando este corpo mortal se revestir da imortalidade, então se cumprirá a palavra que está escrita: tragada foi a morte na vitória”.

Com estas palavras magníficas, São Paulo ( I Cor, 15, 51-54 ) anuncia às gentes a boa nova da ressurreição da carne.

E, por todos os recantos do universo, onde quer que haja um lar verdadeiramente católico, rico ou pobre, ferido pela morte, a atmosfera será sempre esta. Porque os verdadeiros filhos da Igreja, com efeito, crêem na ressurreição da carne e sabem que pela Redenção do gênero humano “tragada foi a morte na vitória”.

O espírito do mundo não entende estas coisas, e, por isto, toma em relação à morte atitudes de todo em todo diversas da do católico genuíno.

Na raiz de tudo, um pavor pânico, que, à vista da sepultura, convulsiona todo o ser, perturba toda a lucidez, destrói toda a coragem.

As misérias grandes e pequenas que este terror ocasiona, são quase incontáveis: o receio de ir ao médico e receber um diagnóstico ameaçador; o horror de presenciar a agonia de alguém; o desagrado profundo de participar de funerais, de usar luto, e até de dar pêsames, são fenômenos nervosos confessados ou inconfessados, e tão generalizados que seria supérfluo insistir sobre eles.

Outro aspecto do terror da morte está nos cuidados exagerados com a saúde, e na propensão de cada qual esquecer sua própria idade.

Quantas vezes, as pessoas procuram iludir-se até o fim, sobre a gravidade do próprio estado de saúde. Quando já não há remédio senão reconhecer que os instantes supremos chegaram, o doente não tem coragem de olhar para a frente, para o ocaso que o vai envolvendo, para a escuridão que se aproxima. Até que o desfecho final sobrevém, arrastando tudo em sua voragem. Está consumado o fato. Irrompeu a morte.
Cabe aos vivos tomar atitude perante ela. Os que tinham ao morto um afeto sincero ficam estarrecidos, estertoram, revoltam-se. São os prantos, as tristezas profundas e sem remédio.

Alguns, pelo contrário, fogem espavoridos, procurando esquecer o morto, para fugir do que lembre a morte. São os que abreviam tanto quanto possível as honras fúnebres para que passem rápidas e sem deixar vestígio.

Entre estas duas atitudes extremas, como é diferente a posição do católico autêntico!

A Doutrina da Igreja nos ensina que a morte é um castigo imposto por Deus aos homens em conseqüência do pecado original. O próprio do castigo consiste em produzir a aflição e a dor.

E como Deus é infinitamente sábio e poderoso, e faz pois com perfeição todas as suas obras, este castigo instituído por Ele há de ser necessariamente capaz de produzir muita aflição e muita dor.

Foi disto exemplo supremo a morte voluntária de nosso Salvador, que foi sumamente aflitiva, inefavelmente dolorosa. E como os instintos humanos recuam diante da aflição e da dor, natural é que se aterrorizem diante da morte.

É verdade que diversos Santos morreram inundados de consolações sobrenaturais, aceitando a morte com mais prazer do que outros aceitam honras ou riquezas. Trata-se de verdadeiros milagres da graça, em que a unção sobrenatural é tão intensa que, por assim dizer, suspende os estertores da natureza.

Porém, o comum dos homens não está neste caso. Morrem com medo e com dor.

Se a morte faz sofrer, é legítimo que participem desta dor os que amam o morto. A Igreja sempre aprovou, pois, os costumes sociais tendentes a cercar a morte das manifestações exteriores da dor. E por isto sua própria liturgia para os defuntos assume todos os sinais da tristeza. Ela, que é a mestra e a própria fonte da imortalidade, não desdenha de participar de nossas lágrimas, de se revestir de nosso luto.

Os paramentos do Sacerdote são pretos, preto é o pano sobre o qual se dão as absolvições, e a música da liturgia dos defuntos canta com poderosa força de expressão toda a dor dos homens diante da morte. Os próprios textos litúrgicos soam em uníssono com nossos gemidos. Em uma palavra, como Mestra, a Igreja justifica nossa dor, como Mãe, a ela se associa. Por isto também incita a caridade dos fiéis a que se manifeste generosamente, a propósito da morte.

Velar os cadáveres, participar dos funerais, visitar as famílias enlutadas, comparecer à Missa em sufrágio da alma do morto, são atos praticados hoje muito freqüentemente num espírito absolutamente mundano e naturalista. Este espírito deve ser abolido. Não porém estes atos, em si mesmos excelentes, e rigorosamente coerentes com o que a Igreja ensina a respeito da morte.

É o que explica que, nos séculos de civilização cristã, os costumes sociais, lentamente constituídos sob o bafejo do espírito católico, foram dando forma e expressão a todas estas idéias.

Daí o luto, que os povos ocidentais usam com cor negra, por julgarem – não sem algum fundamento – que esta cor serve para exprimir a dor.

Vivendo em sociedade, devemos satisfação de nossos atos ao próximo. Assim, é justo manifestar a todos o pesar que legitimamente devemos sentir pela morte dos nossos próximos.

Segundo nossos costumes tradicionais, os funerais não se revestiam apenas de sinais de dor, mas também de pompa. O mais pobre dos enterros tinha sempre qualquer coisa de grandioso, até em sua própria singeleza. Nada mais razoável.

Muito vale uma pessoa, por menos que seja na escala social. Criatura de Deus – mais ainda, filho de Deus pelo Batismo – foi criado para a glória imortal. Justo é que esta fundamental dignidade do homem, encoberta tantas vezes pelas vicissitudes da vida, seja ressaltada no momento da morte, isto é, no momento em que todos, grandes e pequenos, perdem tudo quanto possuem, e ficam reduzidos à mera condição essencial e inalienável de homens e de filhos da Igreja.

Ademais, sendo a morte um castigo de Deus, participa de algum modo da majestade do próprio Deus. Ela está posta nos umbrais da eternidade. E estes umbrais são tão imensos, que à vista deles fica reduzido a pó tudo quanto é grandeza humana.


Há pois algo de mais majestoso do que a morte? E algo de mais digno de ser assinalado com pompa?
Uma coisa é uma separação temporária, outra uma separação definitiva. A Igreja aprovou sempre que se chorasse a morte, mas como separação temporária que terminaria por um feliz reencontro na bem-aventurança eterna. É uma dor sentida, sim, mas cheia de esperança, de consolação, de resignação. Porque, para além destas sombras, devemos ver os clarões da ressurreição e do Céu. Daí não haver lugar para nota de tragédia ou de desespero, em matéria funerária.

Ninguém consegue fitar lentamente a morte, quando não tem Fé. Foi o que sucedeu aos homens. Perdida no século XIX a Fé, no século XX começaram a desviar a face da morte. Daí uma tendência a restringir e tirar a solenidade a tudo quanto diga respeito à morte.

Porque fizemos esta longa digressão sobre a morte?

Porque em certo sentido, o que há de mais importante na vida é a morte.

Enquanto os homens não tiverem uma atitude reta, equilibrada, verdadeiramente católica perante a morte, não serão capazes de ter uma atitude reta, equilibrada, católica de fato, perante a vida.


 Fonte: Excerto da revista Catolicismo nº 11 – Novembro de 1951 In: http://www.aascj.org.br 


Adaptação por Jailson Uriel Zanini 
 
DATA DA PUBLICAÇÃO: 12/01/2012

 

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