Se você se encontra numa situação matrimonial que
não pode ser reconhecida pela Igreja, porque já houve uma cerimônia de
casamento anterior, com outra pessoa; ou se rompeu tão definitivamente
com o seu marido ou com a sua mulher, que já não exista mais nenhuma
chance de verdadeira reconciliação, pense bem se o seu caso não se
enquadra em alguma das causas de nulidade descritas nos capítulos
anteriores. Se fosse assim, é do seu interesse conseguir uma declaração
da autoridade eclesiástica, que lhe permita reconstruir sua vida em paz
com Deus e com a sua consciência. Para isso, existem, na Igreja, os
tribunais eclesiásticos. Só que ninguém vai tomar o seu lugar. Quem
deseja que o tribunal atue deve pedir sua intervenção. O pároco ou algum
sacerdote amigo poderão dar um conselho, uma orientação. Mas algumas
coisas você vai ter de fazer por si mesmo. Vá, sim, em primeiro lugar,
falar com o seu pároco. Mas não desespere se ele achar que o seu caso
não terá chances no tribunal. O campo do direito canônico é um campo
especializado e nem todos os padres estão atualizados nesta matéria. De
um jeito ou do outro, você vai ter de procurar o próprio tribunal
eclesiástico.
MAS O QUE É ESSE TAL DE TRIBUNAL ECLESIÁSTICO?
Você sabe que, para administrar a justiça, existem
no Brasil juízes, que atuam no fórum. E que, quando alguém não está de
acordo com a sentença do juiz, pode apelar para o Tribunal de Justiça
do Estado e, mais tarde, até o Supremo Tribunal Federal. Pois bem, a
Igreja católica também tem uma organização própria da justiça. Só que
nas causas de declaração de nulidade do matrimônio, normalmente, o
primeiro julgamento já é feito perante um tribunal de três juízes.
Poderiam existir tribunais desse tipo em todas as
dioceses. Mas como no Brasil falta pessoal especializado, os tribunais
eclesiásticos funcionam, de fato, unicamente nas sedes Regionais da
CNBB, ou seja, em Manaus, Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, São Luís,
Teresina, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba,
FIorianópolis, Porto Alegre, Goiânia e Campo Grande. Existem tribunais
também em Campinas, Aparecida, Sorocaba, Vitória e Brasília, que não são
sedes regionais da CNBB.
Nas dioceses onde não há tribunal eclesiástico, deve
haver uma pessoa encarregada dos assuntos da justiça da Igreja e de
encaminhar, quando for o caso, os processos ao tribunal. Essa pessoa se
chama "Vigário Judicial". Por isso, se você mora muito longe das
cidades indicadas acima, não precisa, no primeiro momento, fazer uma
viagem até lá. Basta que se apresente na cúria diocesana, ou seja, onde
funcionam os escritórios do seu bispo. Aí vai encontrar alguém que pode
ajudar a apresentar o seu caso.
QUEM FORMA PARTE NO TRIBUNAL ECLESIÁSTICO REGIONAL?
Mesmo que você não tenha de tratar com todas as
pessoas do Tribunal, é bom que saiba quem são elas e qual a sua função,
porque, durante o processo, vai escutar, várias vezes, esses nomes.
Cada Tribunal tem um presidente, que também se chama
"vigario judicial", porque representa os bispos da região nos
julgamentos. Embora teoricamente os bispos, pelo seu próprio cargo,
tenham também a função de juízes, de fato, nos casos confiados aos
tribunais eclesiásticos, não atuam como tais. Por isso, o presidente faz
as vezes deles.
Além do presidente, existem outros juizes. As causas
ordinárias de declaração de nulidade do matrimônio são julgadas por um
tribunal de três juízes. No Brasil, está permitido que, junto com dois
sacerdotes ou diáconos, atue também um juiz leigo. Para cada tribunal
pode haver um número variável de juízes adscritos: três, quatro,
cinco... Por isso, quando se apresenta uma petição de declaração de
nulidade do matrimônio, é necessário formar um turno, ou seja, dizer
quais são exatamente os três juizes que vão julgar esse caso. Um deles
será presidente do turno, que não se deve confundir com o presidente do
tribunal.
Existe também uma figura pouco simpática para quem
pretende que seu matrimônio seja declarado nulo. Trata-se do defensor
do vínculo. Seu papel consiste em argumentar, sempre que possível, em
favor da validade do matrimônio. Vai ser, portanto, o adversário de
quem pretenda a nulidade. Mas não exageremos as coisas. Ele tem de "expor tudo o que razoavelmente possa ser aduzido contra a nulidade" (cân. 1432). Por isso, em certos casos acaba por dizer que não tem nada que alegar.
Nos tribunais eclesiásticos, existe também o
promotor da justiça, que equivale ao "procurador" ou "promotor público"
do direito civil. Representa o bem público, ou seja, o bem da Igreja
enquanto instituição. Por isso, a sua atuação é obrigatória sempre que
esse bem público está comprometido num julgamento concreto. Mas também
por isso raramente atua nas causas matrimoniais.
No tribunal, você vai encontrar o notário, que entre
nós é chamado também secretário. Qual é a sua função? Redigir e
assinar todos os documentos dos processos. Essa assinatura é tão
importante que, sem ela, os documentos carecem de valor legal. O notário
é, portanto, além de secretário, também "tabelião". Como é lógico,
quando um tribunal tem muito trabalho, pode haver vários notários que
atuem nele.
Finalmente, nos tribunais eclesiásticos, aparecem
também os advogados e os procuradores. O advogado é o conselheiro
jurídico de uma das partes. Por isso, a ele corresponde sugerir que seja
interrogada uma testemunha concreta, ou que se peça o parecer de
alguns peritos. Também tem de redigir e apresentar os arrazoados em
favor do seu cliente. O Código de Direito Canônico também chama o
advogado com o nome de "patrono", porque "patrocina" a causa de uma das
partes. Por seu turno, o procurador é a pessoa que representa uma das
partes para realizar certos atos, como receber notificações oficiais,
pedir que o juiz decida um ponto particular, etc. Normalmente, nos
tribunais eclesiásticos, o advogado assume também o papel de
procurador. Em cada tribunal, deve existir uma lista de advogados
aprovados para atuar nele. Quando alguma pessoa se apresenta querendo
iniciar um processo de declaração de nulidade de seu matrimônio, o
secretário do tribunal ou a pessoa encarregada da recepção deve
entregar-lhe essa lista, a fim de que possa escolher aquele que achar
mais conveniente. Embora seja muito útil o auxílio de um advogado,
sobretudo na fase final do processo, quando as provas já foram reunidas
e é necessário apresentar uma boa argumentação, contudo, nos processos
de declaração de nulidade do matrimônio, não há obrigação estrita de
nomeá-lo. O mais comum é que o demandante, quer dizer, aquele que
apresenta o pedido ao tribunal, indique formalmente seu advogado. Pelo
contrário, o demandado, ou seja, o outro cônjuge, quase nunca tem um.
Se você está querendo iniciar um processo e conhece uma pessoa - padre
ou leigo(a) - em quem confia e que estudou o suficiente direito
canônico para poder levar adiante seu caso, poderia pedir ao tribunal
que essa pessoa fosse admitida a desempenhar a tarefa de advogado,
mesmo que não conste previamente da lista oficial.
POSSO APRESENTAR MEU PEDIDO EM QUALQUER TRIBUNAL ECLESIÁSTICO?
Não, não pode. Você, porém, pode escolher entre o
tribunal correspondente ao lugar da celebração de seu casamento ou ao
lugar onde está atualmente residindo seu marido ou sua mulher. Além
disso, com licença do presidente do último tribunal citado, também
poderia ser feito o processo perante o tribunal correspondente a sua
própria residência. E ainda, obtendo uma licença prévia dos outros
tribunais interessados, no lugar onde devem ser recolhidas a maior parte
das provas, por exemplo, onde mora a maioria das testemunhas. O seu
advogado lhe poderá explicar isto um pouco melhor e encaminhar, se for o
caso, os pedidos de licença necessários.
A PETIÇÃO INICIAL OU "DEMANDA"
Como dizíamos anteriormente, você tem de dar o
primeiro passo, se realmente chegou à conclusão de que a única saída é
pedir a declaração de nulidade de seu matrimônio.
Para isso, tem de apresentar ao tribunal
correspondente a sua petição ou "demanda", ou seja, tem de manifestar
claramente o que você quer. Essa petição se faz obrigatoriamente por
escrito. O Código dá a esse escrito o nome de "libelo introdutório da
causa", ou simplesmente libelo. Como redigi-lo? Se você já escolheu um
advogado ou se o seu pároco ou um outro sacerdote estão dispostos a
ajudá-lo, a sua tarefa pode ficar facilitada. Mas a coisa não é tão
difícil e você mesmo poderia também fazê-lo. No modelo de processo que
se encontra no fim do livro, você vai achar um exemplo de libelo.
No escrito de demanda, comece por indicar a que
tribunal se dirige. Depois dê os dados pessoais dos dois: os seus e os
de seu marido ou mulher. Não esqueça de colocar claramente onde ele ou
ela está morando. Se não sabe, procure pesquisar previamente. A falta
desse dado pode atrasar desnecessariamente o andamento do processo.
Tente depois descrever brevemente a história do seu casamento: como
vocês se conheceram e chegaram à decisão de casar; onde e como foi a
cerimônia; como transcorreu o tempo de convivência; quando e como
começaram os desentendimentos; por que se separaram; qual é a situação
atual dos dois. Não precisa dar muitos pormenores. Você será
posteriormente interrogado e então poderá falar tudo o que quiser.
Após a descrição dos fatos, tente argumentar, ou
seja, diga qual é a causa ou causas por que você pensa que o seu
casamento foi nulo. Reveja, para isso, os vinte e cinco possíveis
motivos que foram expostos nos capítulos II e III deste livro. Indique
também, muito resumidamente, as provas de que você pensa dispor: lista
de testemunhas, com endereço completo; cartas ou outros documentos;
pareceres de médicos e psiquiatras etc. Não se preocupe se no libelo
esqueceu de colocar alguma testemunha que seria muito importante.Durante
o processo, poderá alegar outras provas.
A parte final do libelo é a petição, no sentido
estrito. Ou seja, termine dizendo que, em vista dos fatos descritos e
das disposições do Código de Direito Canônico que se aplicam ao caso,
pede que o tribunal, mediante o processo correspondente, declare nulo o
seu matrimônio. Coloque, então, a data e assine.
No próprio libelo, ou num escrito à parte, você pode
nomear advogado e procurador. É bom que a mesma pessoa desempenhe os
dois ofícios. Se você, com o consentimento do tribunal, já fez essas
nomeações anteriormente, então o libelo pode ir assinado pelo seu
procurador e não necessariamente por você.
Entregue o libelo na secretaria do Tribunal
Eclesiástico Regional (TER), junto com uma certidão do seu casamento
religioso. É muito conveniente também, embora não estritamente
necessário, que se já fez separação judicial ("desquite") ou divórcio,
entregue cópia das sentenças civis correspondentes. É bom que você peça
recibo da entrega do libelo, com data, porque assim poderá reclamar, se
o tribunal não cumprir os prazos legais.
OS PRIMEIROS PASSOS DO TRIBUNAL
Uma vez recebido o libelo, o presidente do Tribunal
Eclesiástico Regional deve designar o turno, ou seja, dizer
concretamente quais são os três juizes que vão julgar o seu caso. Como
dissemos anteriormente, um deles será o "presidente do turno".
Normalmente, ele assume também a função de "ponente", ou seja,
encarregado de, no momento oportuno, redigir a sentença.
O novo Código não diz nada sobre isso, mas cremos
que é muito oportuno continuar com a prática anteriormente existente de
pedir uma opinião prévia, sobre os casos de nulidade matrimonial, ao
pároco da parte demandante, ou seja, da pessoa que apresentou o libelo. O
secretário do tribunal é quem vai escrever a carta correspondente, por
mandato do presidente do turno.
O mesmo presidente, lendo atentamente o libelo, vai
decidir se o caso é tão complicado que exige, já desde o início, ser
apreciado pelo "colegiado", ou seja, pela reunião dos três juizes do
turno. Na maior parte das vezes, porém, ele sozinho dará a primeira
decisão: aceitar ou rejeitar o libelo. Para isso, devem ser examinadas
quatro coisas:
- Se o tribunal é competente para atuar nesse processo;
- Se a pessoa que pede a declaração de nulidade tem, de acordo com o direito, capacidade para fazer isso;
- Se no libelo constam os dados necessários;
- Se do libelo se pode deduzir que há algum fundamento jurídico naquilo que se pede.
Se o libelo for rejeitado, você pode ainda apelar, ou
seja, reclamar a uma autoridade superior: ao colegiado, se a rejeição
foi um ato pessoal do presidente do turno; ao tribunal de apelação, se
foi decretada pelo colegiado.
Quando passam inutilmente trinta dias desde que você
entregou o libelo na secretaria do tribunal, pode reclamar. E se,
apesar da reclamação, passarem mais dez dias sem que haja nenhuma
decisão, fique tranqüilo: o seu libelo está automaticamente aceito, por
disposição da própria lei.
A "CITAÇÃO"
A aceitação do libelo não significa que o tribunal
já reconheça a nulidade do seu casamento. Trata-se apenas de um passo
prévio: o seu caso foi considerado sério e digno de ser examinado
atentamente.
No próprio decreto de aceitação do libelo, o
presidente do turno deve mandar que as partes (você, "demandante", e seu
cônjuge, "demandado") sejam citadas, a fim de determinar claramente
qual é o ponto que vai ser discutido ao longo do processo. Porque não
basta dizer que do que se trata é de ver se o matrimônio foi nulo ou
válido; é necessário também acertar claramente qual é o motivo que se
alega para a nulidade; ainda mais, deve constar também se o demandado
está de acordo ou não com esse motivo alegado.
A citação não significa que você vai ter de
encontrar-se, face a face, com o seu marido ou com a sua mulher. O que
se faz é mandar um escrito às duas partes indicando que o libelo foi
aceito. Para o demandado, como é lógico, envia-se cópia ou, pelo menos,
um resumo do libelo. Além disso, indica-se que as partes têm o prazo de
quinze dias para pedir, se o desejarem, uma sessão oral, para
determinar o ponto controverso, quer dizer, o motivo exato que se alega
para a nulidade do casamento.
Desde o momento em que você e a outra parte recebem a comunicação da citação, começa oficialmente o processo.
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