1. Desde os da nossa juventude, com
freqüência se nos apresenta à alma a grata recordação daquelas cartas
encíclicas(1) que o nosso predecessor, de imortal memória, Leão XIII, na
iminência do mês de outubro, muitas vezes endereçou ao mundo católico,
para exortar os fiéis, especialmente durante aquele mês, à piedosa prática
do Santo Rosário. Trata-se de encíclicas várias pelo seu conteúdo, ricas de
sabedoria, vibrantes de sempre nova inspiração, e o mais possível oportunas
para a vida cristã. Era um forte e persuasivo apelo a dirigir confiantes
súplicas a Deus, mediante a poderosíssima intercessão da Virgem sua Mãe,
com a recitação do Santo Rosário. Este, com efeito, como de todos é
sabido, é uma excelente modalidade de oração meditada, constituída à
guisa de coroa mística, na qual as orações do Pai-Nosso, da Ave-Maria
e do Glória ao Pai se entrelaçam com a consideração dos mais
altos mistérios da nossa fé, pelos quais é apresentado à mente, como
outros tantos quadros, o drama da encarnação e da redenção de nosso
Senhor.
2. Com o passar dos anos, esta suave recordação da nossa idade
juvenil nunca nos abandonou, e nem tampouco se enfraqueceu; antes - dizemo-lo
com paternal confiança - valeu para tornar bastante caro ao nosso espírito o
Santo Rosário, que nunca deixamos de recitar inteiro cada dia do ano: ato de
piedade mariana que sobretudo desejamos praticar com particular fervor no mês
de outubro.
3. Durante o curso deste primeiro ano do nosso Pontificado, que
já chega ao fim, não nos faltou ocasião de exortar muitas vezes o clero e o
povo cristão a preces públicas e privadas; mas agora pretendemos fazê-lo com
uma exortação mais viva, diremos, e comovida, por muitos motivos que
brevemente exporemos nesta nossa encíclica.
4. I. No próximo mês de outubro completa-se o primeiro
aniversário do piedosíssimo trânsito do nosso predecessor Pio XII, cuja
existência refulgiu de tantos e tamanhos méritos. Vinte dias depois, sem
mérito algum nosso, por oculto desígnio de Deus, fomos elevados ao sumo
pontificado. Dois sumos pontífices estendem-se a mão, como que para se
transmitirem a sagrada herança da grei mística e para conclamarem a
continuidade da sua ansiosa solicitude pastoral e do seu amor a todos os povos.
5. Não são porventura estas duas datas, uma de tristeza e outra
de júbilo, a clara demonstração, perante todos, de que, na perpétua
sucessão dos acontecimentos humanos, o pontificado romano sobrevive ao longo do
curso dos séculos, mesmo se todo chefe visível da Igreja católica, chegado ao
tempo fixado pela Providência, é chamado a deixar este exílio terrestre?
6. Volvendo o olhar quer para Pio XII quer para seu humilde
sucessor, nos quais se perpetua o ofício de supremo pastor comado a S. Pedro,
os fiéis elevem a Deus a mesma prece: "Protege o papa, os bispos e todos
os ministros do evangelho, nós te pedimos, escuta-nos, Senhor!".(2)
7. E apraz-nos, ademais, aqui recordar que também o nosso
imediato predecessor, com a Encíclica Ingruentium malorum (3), já exortou
os fiéis de todo o mundo, como ora o fazemos nós, à piedosa recitação do
Santo Rosário, especialmente no mês de outubro. Naquela encíclica há uma
advertência que de muito bom grado repetimos: "Volvei-vos com sempre maior
confiança para a Virgem Mãe de Deus, a quem os cristãos sempre e
principalmente têm recorrido nas adversidades, visto que ela foi constituída
fonte de salvação para todo o gênero humano". (4)
8. II. A 11 de outubro teremos a grande alegria de entregar o
crucifixo a uma densa falange de jovens missionários, que, deixando a sua
dileta pátria, assumirão a árdua tarefa de levar a luz do Evangelho a povos
longínquos. Nesse mesmo dia, à tarde, é desejo nosso subir ao Janículo para
celebrar, com alegres auspícios, o primeiro centenário de fundação do
Colégio Americano do Norte, em união com os superiores e com os alunos.
9. As duas cerimônias, embora não intencionalmente marcadas
para o mesmo dia, têm o mesmo significado: isto é, de afirmação clara e
decidida dos princípios sobrenaturais que movem todas as atividades da Igreja
católica; e da voluntária e generosa dedicação de seus alhos à causa do
mútuo respeito, da fraternidade e da paz ente os povos.
10. O maravilhoso espetáculo destas juventudes que, vencidas
inúmeras dificuldades e incômodos, se oferecem a Deus para que também os
outros entrem na posse de Cristo (cf. Fl 3,8), seja nas mais longínquas terras
ainda não evangelizadas, seja nas imensas cidades industriais onde, no
vertiginoso pulsar da vida moderna, as almas às vezes se estiolam e se deixam
oprimir pelas coisas terrenas, este espetáculo, repetimos, é comovedor e anima
à esperança de dias melhores.
11. Nos lábios dos velhos que até aqui carregaram o peso destas
graves responsabilidades floresce a ardente prece de S. Pedro: "Concede aos
teus servos anunciarem com toda confiança a palavra de Deus" (cf. At
4,29).
12. Portanto, vivamente desejamos que durante o próximo mês de
outubro todos estes nossos filhos sejam recomendados, com fervorosas preces, à
augusta Virgem Maria.
13. III. Há, além disto, uma outra intenção que nos impele a
dirigir mais ardentes súplicas a Jesus Cristo e à sua amabilíssima Mãe,
preces para as quais convidamos o sacro colégio de cardeais, e vós,
veneráveis irmãos, os sacerdotes e as almas consagradas, os doentes e os
sofredores, as crianças inocentes e todo o povo cristão. E é esta: afim de
que os homens responsáveis pelos destinos das grandes como das pequenas
coletividades, cujos direitos e cujas imensas riquezas espirituais devem ser
escrupulosamente conservadas intactas, avaliem, atentamente a grave tarefa da
hora presente.
14. Por isso rogamos ao Senhor que eles se
esforcem por conhecer a fundo as causas que originam as dissensões, e com boa
vontade as superem; sobretudo que avaliem o triste balanço de ruínas e de danos dos conflitos armados - que
o Senhor afaste! - e não depositem neles esperança alguma; que adaptem a
legislação civil e social às reais exigências dos homens, não esquecidos,
por outro lado, das Leis eternas, que provêm de Deus e são o fundamento e o
eixo da própria vida civil; e preocupem-se sempre com o destino ultraterreno de
toda alma individual, criada por Deus para alcançá-lo e gozá-lo um dia.
15. Além disto, é de lembrar que hoje se difundiram posições
filosóficas e atitudes práticas absolutamente inconciliáveis com a fé
cristã. Com serenidade, precisão e firmeza continuaremos a afirmar essa
inconciliabilidade. Mas Deus fez curáveis os homens e as nações! (cf. Sb
1,14).
16. E por isto confiamos que, postos de
parte os áridos postulados de um pensamento cristalizado e de uma ação
penetrada de laicismo e de materialismo, busquem e achem os oportunos
remédios naquela sã doutrina que a experiência das coisas cada dia mais
confirma. Ora, essa doutrina conclama que Deus é autor da vida e das suas
leis: que é vingador dos direitos e da dignidade da pessoa humana; por
conseqüência, que Deus é a "nossa salvação e Redenção!".(5)
17. O nosso olhar volve-se para todos os
continentes, lá onde os povos estão em movimento para tempos melhores, e nos
quais vemos um despertar de energias profundas que faz esperar num empenho das
consciências retas em promover o verdadeiro bem da sociedade humana. A fim de
que esta esperança se realize de modo o mais consolador, isto é, com o
triunfo do Reino da verdade, da justiça, da paz e da caridade, ardentemente
desejamos que todos os nossos filhos formem "um
só coração e uma
só alma" (At 4,32), e elevem comuns e fervorosas súplicas à celeste
Rainha e Mãe nossa amantíssima durante o correr do mês de outubro,
meditando
estas palavras do apóstolo das gentes: "Somos atribulados por todos os
lados, mas não esmagados; postos em extrema dificuldade, mas não
vencidos
pelos impasses; perseguidos, mas não abandonados; prostrados por terra,
mas não aniquilados. Incessantemente e por toda parte trazemos em nosso
corpo a
agonia de Jesus, afim de que a vida de Jesus seja também manifestada em
nosso
corpo" (2Cor 4,8-10).
18. Antes de terminarmos esta carta encíclica, veneráveis
irmãos, desejamos convidar-vos a recitardes o Rosário com particular
devoção
também por estas outras intenções, que tanto temos a peito, a saber: a
fim de
que o sínodo de Roma seja frutuoso e salutar para esta nossa dileta
cidade; e afim de que do próximo Concílio Ecumênico do qual
participareis com a vossa
presença e com o vosso conselho, toda a Igreja obtenha uma afirmação tão
maravilhosa, que o vigoroso reflorescimento de todas as virtudes
cristãs, que
dele esperamos, sirva de convite e de estímulo também para todos aqueles
nossos irmãos e filhos que estão separados desta Sé Apostólica.
19. Com esta gratíssima esperança e com grande afeto concedemos
a vós, veneráveis irmãos, aos féis a vós singularmente confiados, e de modo
especial a todos os que, com piedade e boa vontade acolherem este nosso convite,
a bênção apostólica.
Notas
1. Cf. Carta enc. Supremi Apostolatus: Acta
Leonis XIII, III, p. 280ss; EE (= Enchiridion delle Encicliche, EDB. Coleção
publicada na Itália) 3; Carta enc. Superiore anno: Acta Leonis XIII, IV,
p. 123ss; EE 3; Carta enc. Quamquam pluries: Acta Leonis XIII,
IX, p. 175as; EE 3; Carta enc. Octobri mense: Acta
Leonis XIII, XI, p. 299ss; EE 3; Carta enc. Magnae Dei Matris: Acta
Leonis XIII, XII, p. 221ss; EE 3; Carta enc. Laetitiae sanctae:
Acta Leonis XIII, XIII, p. 283ss; EE 3; Carta enc. Iucunda
semper: Acta Leonis XIII, XIV, p. 305ss; EE 3; Carta enc. Adiutricem
populi: Acta Leonis XIII, XV, p. 300ss; EE 3; Carta enc. Fidentem
piumque: Acta Leonis XIII, XVI, p. 278ss; EE 3; Carta enc. Augustissimae
Virginis: Acta Leonis XIII, XVII, p. 285ss; EE 3; Carta enc. Diuturni
temporis: Acta Leonis XIII, XVIII, p.153ss; EE 3.
2. Lit. Sanctorum.
3. 15 de setembro de 1951; AAS, 43
(1951), p. 577ss, EE 6/873ss.
4. Santo Ireneu, Adv. haer. III, 22:
PG. 7, 959. - AAS, 43 (1951), pp. 578-579; EE 6/876.
5. Da Liturgia Sagrada.
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