A volta do Espírito – Cardeal Ratzinger
Do livro: A FÉ EM CRISE? O Cardeal Ratzinger se interroga – Ed. E.P.U. – 1985, São Paulo,
V. Messori:
Hoje, observo eu, processa-se uma redescoberta do Espírito Santo, talvez
esquecido demais pela teologia ocidental. È uma redescoberta não apenas
teórica, mas que envolve crescente massas populares nos movimentos
chamados “Renovação carismática”ou “Renovação do Espírito”.
Cardeal Ratzinger:
“De fato. O período pós conciliar pareceu corresponder bem pouco às
esperanças de João XXIII, que esperava um “novo Pentecostes”. Sua
oração, entretanto, não ficou sem resposta no coração de um mundo feito
árido pelo ceticismo racionalista, nasceu uma nova experiência do
Espírito Santo que assumiu a amplidão de uma moção de renovação em
escala mundial. Tudo o que o Novo Testamento escreve a propósito dos
carismas que apareceram como sinais visíveis da vinda do Espírito Santo
não é mais história antiga apenas, encerrada para sempre: essa história
torna-se hoje vibrante de atualidade.
Não é por acaso, em confirmação de sua visão
do Espírito como antítese do demoníaco, que, “enquanto uma teologia
reducionista trata o Demônio e o mundo dos espíritos maus como uma mera
etiqueta, no contexto da Renovação surgiu uma nova e concreta tomada de
consciência das Potências do mal, unida, bem entendido, à serena certeza
da Potência de Cristo, que a todas submete.
É preciso antes de tudo salvaguardar o
equilíbrio, evitar uma ênfase exclusiva sobre o Espírito, que, como
lembra o próprio Jesus, “não fala por si mesmo”, mas vive e age no
interior da vida trinitária. Semelhante ênfase poderia levar a opor, a
uma Igreja organizada sobre a hierarquia (fundamentada, por sua vez, em
Cristo),uma outra Igreja “carismática”, baseada apenas na “liberdade do
Espírito”, uma Igreja que se considere a si mesma como “acontecimento”
sempre renovado.
Salvaguardar o equilíbrio significa também o
justo relacionamento entre instituição e carisma, entre fé comum na
Igreja e experiência pessoal. Uma fé dogmática sem experiência pessoal
permanece vazia; uma mera experiência sem ligação com a fé da Igreja é
cega. Enfim, não é o “nós” do grupo que conta, e sim o grande “nós ” da
Igreja universal. Só esta pode oferecer o contexto adequado para “não
extinguir o Espírito e manter o que é bom”, segundo a exortação do
Apóstolo.
Além disso, para atingir os últimos
recônditos dos riscos, é preciso precaver-se de um ecumenismo fácil
demais, pelo qual grupos carismáticos católicos podem perder de vista a
sua unidade e ligar-se de modo acrítico a formas de pentecostalismo de
origem não católica, em nome exatamente do “Espírito”, visto como oposto
`a instituição. Os grupos católicos da Renovação no Espírito devem,
pois, mais do que nunca “sentire cum Ecclesia”, agir sempre em comunhão
com o bispo, também para evitar os danos que surgem toda vez que a
Escritura é desenraizada do seu contexto comunitário: o fundamentalismo,
o esoterismo e o sectarismo.
Certamente [a Renovação no Espírito] trata-se
de uma esperança, de um positivo sinal dos tempos, de um dom de Deus
para a nossa época. È a redescoberta da alegria e da riqueza da oração
contra a teoria e práxis sempre mais enrijecidas e ressecadas no
tradicionalismo secularizado. Eu mesmo constatei pessoalmente a sua
eficácia: em Munique, algumas boas vocações ao sacerdócio vieram-me do
movimento. Como em todas as realidades entregues ao homem, dizia eu,
também esta é exposta a equívocos, a mal-entendidos e a exageros. O
perigo, porém, seria ver apenas os riscos, e não o dom que nos é oferecido pelo Espírito. A necessária cautela não muda, portanto, o juízo positivo do conjunto.”
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