Em sua obra De Cura pro Defunctis Gerenda,(
Sobre os cuidados que se deve ter pelos mortos), Santo Agostinho declara
que embora o morto não saiba o que está acontecendo agora na terra, as
observâncias dos ritos funerais indiretamente proporcionam-lhes
benefícios na medida em que os vivos que visitam suas tumbas são levados
a recordá-los e orar por eles.
Cuidados especiais devem ser tomados com os corpos
dos mortos, porque eles foram os companheiros da alma nas atividades da
vida e ainda mais porque tendo sido parte de uma pessoa humana durante
sua vida terrena, tais corpos serão novamente parte daquela mesma pessoa
na ressurreição final, da qual a Ressurreição de Cristo é causa,
certeza e esperança.
Enquanto muitas religiões acreditam na imortalidade
da alma, podemos dizer que a fé na ressurreição do corpo é uma doutrina
exclusivamente Cristã, e essa é entre todas as crenças, a mais difícil
para a razão humana aceitar, já que é objeto pura e simplesmente de fé e
o maior de todos os paradoxos .
Quando São Paulo foi pregar em Atenas no ano 51 DC,
um lugar onde se reunia toda a sorte de gentios, filósofos Epicureus e
Estóicos o conduziram do mercado para o Aeropagus de forma que todos
pudessem ouvir aquele homem extraordinário. Mas bastou o Apóstolo
começar a pregar sobre a ressurreição dos mortos que eles o deixaram
falando sozinho e saíram como quem diz: "sobre esse assunto, fica pra uma outra vez".
Dentro do paganismo a imortalidade da alma às vezes é
aceita, mas a idéia de distinção entre a recompensa que a alma virá a
receber, não: todas as religiões pagãs caem na mesma escuridão a
respeito do que seria uma vida sem a vida. As antigas religiões místicas
tinham uma vaga idéia de recompensa pela virtude e de uma abençoada
perfeição numa vida futura. Mas nenhuma religião, com exceção do
Cristianismo sustenta claramente que nossos corpos ressuscitarão
novamente um dia, e continuarão o curso de nossas vidas, tendo nossa
identidade pessoal restaurada em sua plenitude.
E foi exatamente para nutrir a fé nessa doutrina que a
razão encontra tanta dificuldade em aceitar, mas que é tão fundamental
para o Catolicismo (Se não há ressurreição dos mortos e nem Cristo ressuscitou, vã é a nossa fé - I Cor.15;13:14)
que a Igreja sempre se opôs à cremação dos corpos de seus fiéis, ao
passo que sempre permitiu uma certa variedade de enterros, seja a
princípio dentro de igrejas no caso dos mártires, ou nos jardins das
igrejas, em solos consagrados fora da cidade ou mesmo em cemitérios
seculares.
Obviamente que o homem deixa de existir quando a
morte o atinge, mas o corpo que está ali pertenceu a um ser humano e
voltará a pertencer novamente na ressurreição final e isso já é o
suficiente para que ele seja tratado com respeito e devidos cuidados.
Podemos afirmar que a prática antiga e contínua dos
cristãos enterrarem os mortos tem raízes no Evangelho e São Paulo
explica melhor o seu significado em I Coríntios 15:42, quando compara o
corpo a uma semente que semeado na corrupção, ressuscita incorruptível. O
enterro Cristão é portanto e antes de tudo, uma imitação do que
aconteceu com o corpo de Cristo.
A Igreja nunca disse que a redução do corpo a cinzas
pela incineração ou cremação é um obstáculo à ressurreição, mas como uma
religião que aceita a validade do simbolismo, a Igreja dificilmente
falharia em considerar a cremação como um sinal contrário à ressurreição
dos corpos. Em outras palavras, a cremação pode até não contradizer
diretamente a idéia da ressurreição, mas certamente joga por terra todo o
simbolismo conexo à prática do enterro, bem como priva de significado
vários termos usados pelos cristãos que datam de tempos imemoriais. Por
exemplo, a palavra "cemitério" em sua origem significa: "local de repouso"; a palavra italiana"camposanto" significa "campo sagrado dedicado a Deus"; a palavra latina "depositio" usada no ritual em latim para exéquias é derivada nem tanto do ato de se"depositar"
algo na terra, mas sim do ato legal de se entregar em depósito o corpo
Cristão que será restaurado no dia da ressurreição final.
Como podemos ver, esse simbolismo é tão forte que
levou a Igreja a adotar uma matéria a esse respeito: durante o século 19
e parte do século 20, a cremação era vista pelos Católicos como um
sinal claro de que aquela pessoa era um pagão, ou seja, não era Cristão e
nem acreditava na ressurreição. Às vezes a pessoa optava pela cremação
apenas pelo medo infundado de ser enterrado vivo e não por descrença ou
por ser pagão, mas de qualquer modo o Código de Direito Canônico de
1917, Cânon 1203, recusava a permitir ou reconhecer pedidos para
cremação da parte dos fiéis Católicos. Já o Novo Código de Direito
Canônico de 1983, Cânon 1176 permite a cremação reforçando as grandes
mudanças que houveram na Igreja no período pós-conciliar. Com isso, nas
cidades onde existem crematórios, rapidamente o número de cremações
ultrapassou o número de enterros.
Esse obscurecimento de práticas distintamente
Cristãs, mesmo numa matéria que vem de uma imemorial tradição e a qual
possui um genuíno significado religioso, faz parte da acomodação geral
do Catolicismo ao espírito do mundo, da diluição do sagrado, do
penetrante utilitarismo e de um verdadeiro eclipse no chamado
fundamental do homem para uma realidade que está muito além da figura
desse mundo.
Saiba mais: Simbolosefe
Trecho retirado da obra do autor Iota Unum.
Fonte: http://www.veritatis.com.br/doutrina/119-meditacoes/1234-cremacao-tradicao-crista-ou-costume-pagao
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